Os fantásticos livros voadores de Modesto Máximo: uma história sobre vivências às rupturas, livros vêm e vão
- Instituto Mundo Novo

- 27 de out.
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Atualizado: 4 de nov.

Segundo Joyce (2011), A narrativa de Os fantásticos livros voadores de Modesto Máximo inicia com o personagem principal no terraço de sua moradia, escrevendo tranquilamente seu livro, quando é subitamente interrompido por uma tempestade violenta. O ambiente transforma-se: permanece o mesmo lugar, mas agora desordenado, confuso e estranho devido à força da tempestade.
Nesse contexto, as palavras de seu livro desaparecem misteriosamente, mas ele não o descarta; ao contrário, mantém-no em seus braços, na esperança de que um dia possa ser reescrito. Em meio à fatalidade, ele caminha a esmo. Agora, num mundo destruído e acinzentado, Modesto encontra uma mulher bela que surge nos ares, colorindo o ambiente por onde passa, voando e sendo guiada pelo farfalhar de livros. Ele, acinzentado, contrasta com a vivacidade daquela figura. Ambos trocam olhares, mas Modesto a contempla de imediato; ela ri, entrega-lhe um livro com vida e o conduz a um lugar inusitado: uma biblioteca que lhe aparenta não ter sido atingida pela atrocidade.

Ela permanece viva, brilhante e bem fundamentada. Não seria absurdo se uma história para crianças, chamada Os fantásticos livros voadores de Modesto Máximo, fosse considerada uma das obras mais influentes do início do século XXI (LONDON TIMES, 2013, capa). É desse modo que o jornal The Times considera a literatura infantil de William Joyce (2011): com palavras significativas, o absurdo e a influência. A palavra deriva do latim absurdum, que pode ser considerada como algo que extrapola os limites daquilo que se vê e contraria o senso comum, opondo-se aos preconceitos estabelecidos. Vale pensar que tal abordagem diz respeito ao impacto que o livro fornece para aquele que o acessa. Os fantásticos livros voadores de Modesto Máximo está conectado às vivências e rupturas do Instituto Mundo Novo, principalmente às turmas do Mundo Encantado. Na verdade, todo exercício pedagógico envolve ruptura e vivência: cabe deixar que algo se vá, a fim de que outras experiências possam brotar. Avaliar é um ato de franqueza diante daquilo que talvez detestemos. Ainda assim, é necessário, pois somente através desse enfrentamento o melhor pode nascer e ele virá. Antes de mais nada, enfrentar o passado é um exercício que se faz no presente. Aquele que afirma que o passado deve ser esquecido se equivoca: o passado é feito de experiências que nos moldam e revelam um ponto da história daquilo que um dia fomos. É preciso olhar para ele, investigá-lo, a fim de que um futuro melhor possa nascer. Alguns anos atrás, o exercício pedagógico das turmas de educação infantil era realizado apenas com o livro didático. Havia uma espécie de exercício mecânico operando nas salas: produção, atenção, fileira, ordem, padronização. Todas essas palavras revelam um tempo em que as salas de aula nem sempre foram pensadas para os pequenos. É importante destacar que, em 2020, a escola passava por um processo de ruptura significativa: a substituição do livro didático, com ênfase nas cartilhas, pela literatura infantil como principal recurso pedagógico. Essa mudança não representava apenas a desistência do uso do livro didático.

Como aponta Fortunati (2009, p. 36), essa prática tende a empobrecer a função docente ao restringir sua ação às orientações prescritivas presentes nos materiais didáticos, dispensando o professor do planejamento e da reflexão sobre o fazer pedagógico, além de eximi-lo da responsabilidade de escolher e da possibilidade de experimentar algo diferente do que normalmente se faz. A ruptura no Instituto Mundo Novo, portanto, ia além: significava também o abandono de um saber pedagógico centrado exclusivamente na escolarização da educação infantil e a superação de uma perspectiva de infância que não reconhecia plenamente as potencialidades da criança como sujeito histórico, social e criativo. A leitura, como função social, floresce no Instituto Mundo Novo em uma perspectiva de infância que reconhece a criança como produtora de conhecimento e valoriza o brincar como eixo central nas relações educativas. Nesse processo, as atividades silabadas foram substituídas por cantigas, trava-línguas, poesias e textos memorizados.

O livro didático foi deixado de lado para dar lugar aos cantinhos de leitura nas salas de aula. Se antes as produções dos alunos ficavam restritas ao material avaliado apenas pelo professor, no presente elas se encontram expostas nas paredes, permitindo que cada criança, como autora, reconheça sua própria marca na Instituição. No entanto, todas as mudanças exigem um novo olhar para um alvo, em que dilemas são levantados, a fim de que haja compreensão diante do novo. Diante dessa renovação, Freire (1979, p. 33) relata em Educação e Mudança: “Não há transição que não implique um ponto de partida, um processo e um ponto de chegada. Todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje. De modo que o nosso futuro baseia-se no passado e se corporifica no presente. Temos de saber o que fomos e o que somos, para sabermos o que seremos.” Entende-se que a transição vivenciada pela Instituição não ocorreu de forma repentina, mas resultou de um movimento reflexivo e consciente a partir das práticas passadas. Nesse processo, gradativa e coletivamente, foram sendo operados rompimentos necessários. Assim, justifica-se o retorno ao passado, não como um retrocesso, mas como um exercício de revisão crítica dos equívocos que marcaram o percurso e impactaram o presente. Tal olhar possibilita projetar uma educação que reconheça e valorize as potências infantis na construção de um futuro mais emancipador para crianças e adultos. Atualmente, acreditamos que a literatura infantil deve não apenas ser exposta, mas também ser provocadora, conduzindo as crianças à reflexão crítica sobre sua realidade, bem como à apreciação daquilo que está diante de si. A literatura infantil não é apenas uma escolha: é um dos eixos principais que move as práticas no Instituto Mundo Novo. Zilberman (2003) afirma que a literatura deve ser interrogadora das normas em circulação, impulsionando o leitor a adotar uma postura crítica perante a realidade e dando margem à efetivação dos propósitos da leitura como habilidade humana. Logo, a literatura infantil de qualidade, exposta em sala de aula, não é apenas uma opção melhor para a educação infantil: ela é, em si mesma, fundamento e caminho.
Referências FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. MORAES, Fabiano; CARDOSO, Fábio. Alfabetizar letrando com a literatura infantil. São Paulo: Cortez, 2017. JOYCE, William. Os fantásticos livros voadores de Modesto Máximo. São Paulo: Rocco, 2011







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